segunda-feira, fevereiro 05, 2007

“Deixa ir os meus Músicos!”

Uma das maiores necessidades da igreja brasileira hoje é a de música cristã profana. Precisamos de música cristã que não fale de Deus. Não que falar de Deus não seja importante; mas às vezes tenho a impressão de que falamos demais de Deus, quase a ponto de tomar seu nome em vão. Falamos tanto porque estamos preocupados com a sua ausência; será que falamos para ocultar a sua ausência?

Falar de Deus é essencial: “como crerão, se não ouvirem?”. Tão importante quanto falar sobre Deus, no entanto, é falar a partir de Deus; e quando falamos a partir de Deus, não precisamos, necessariamente, usar o nome de Deus – o livro de Ester conta uma belíssima história sem usar o nome de Deus nem uma única vez, e essa história se tornou parte do cânon judaico-cristão, como narrativa divinamente inspirada.

A questão, pois, é se temos a graça de contar a história do modo correto, de narrar a vida sob a luz do evangelho. Precisamos de música que não fale de Deus, mas que fale a respeito da vida, das flores, do amor, da política, e das crianças, sob a luz do evangelho; precisamos de música que fale sobre o mundo, mas a partir de Deus.

Além disso, precisamos de música, simplesmente. Música que signifique Deus por sua beleza, e que mostre a sua glória sem palavras. A música pode ser narrativa, mas não precisa ser – a música não precisa de justificativas além da sua própria existência porque, afinal, Deus não precisa dar explicações sobre a razão de sua criação. Quem pode pôr em dúvida a beleza da música? Quem pode pôr em dúvida o amor do homem pela beleza da música? E quem pode pôr em dúvida a origem divina de toda boa dádiva, e de todo dom perfeito?

Quem és tu, ó pastor evangélico, para discutires com Deus? Pode a coisa feita desafiar seu Criador, perguntando-lhe: “Por que me fizeste assim?” Ou terás a ousadia de reprovar o inventor da beleza, por ter criado homens que amam a música pela música, mesmo quando não tem uma razão bíblica para desfrutá-la? Acusarás a Deus de ser o tentador do homem? Atribuirás a Satanás a arte de Mozart, de Wagner ou de Villa-Lobos? Consumados estes absurdos, que mais restará senão reprovar também a beleza das flores e o canto do sabiá? Por causa de Israel o nome de Deus foi blasfemado entre os gentios; mas por causa de ti a música cristã afunda nas trevas da feiúra estética.

Não me esqueço do dia em que um diácono da minha igreja – um homem grande, sério, que detestava livros mais do que qualquer coisa na vida – me chamou para uma conversa séria, “de homem pra homem”. Este diácono – não sei se no corpo ou fora do corpo, Deus o sabe – me aconselhou a desistir de ser músico profissional. “Porque” – dizia ele – “este meio artístico é muito sujo... Tem muita p., e um crente verdadeiro não se mete com p. Quando tem muita p. num lugar a gente tem que sair”. E, de fato, eu saí rapidamente de perto dele. Acho que em poucas ocasiões eu ouvi tantas vezes a palavra "p...".

Os músicos cristãos precisam de libertação – não da música “do mundo”, mas da música “da igreja”. Precisam ser libertados do jugo dos pastores e dos crentes legalistas, que exigem qualidade nas noites de domingo, mas que proíbem estes músicos de se profissionalizarem, e fecham o mundo da música a uma ação cristã redentiva.