quinta-feira, novembro 16, 2006

Contra a Graça Evasiva e Barata

Caros amigos,

Apesar de estar ocupadíssimo com a minha dissertação, decidi escrever alguma coisa sobre a nossa recente "conversa de surdos", como a denominou o Xoyo, com um grupo de estudantes de Curitiba. "Decadentes" é o nome do Blog que veicula suas idéias. Como eles fizeram algumas comentários em meu Blog, recentemente (a discussão pode ser lida aqui), e apresentaram uma "declaração" de suas posições em seu Blog (aqui), decidi escrever alguma coisa sobre o assunto.

Sobre a "Confissão de Fé" e a "Crítica"

Em termos simples, os decadentes confessam a fé na Graça como absolutamente suficiente. A graça entendida como o único fato certo e, por isso, a fé na graça divina como a única certeza possível. A cruz elimina todas as certezas, porque é um juízo definitivo sobre tudo o que possamos fazer diante de Deus para a nossa salvação. Mais do que isso, somos duplamente devedores a Deus, por causa de Cristo; afinal, o seu sacrifício não somente garante a salvação, mas foi o que "tornou o mundo possível" - assim, a graça seria o próprio "fundamento do mundo". As Escrituras são a revelação dessa graça e, por isso, compartilham da certeza da graça.

Entre as certezas eliminadas pela graça, se incluem a certeza da salvação, bem como toda e qualquer "certeza religiosa". Tanto faz, por exemplo, se nos sentimos mal ou bem, se sentimos paz com Deus ou nos sentimos condenados; afinal, não temos como distinguir o sentimento de paz com Deus do sentimento de "merecer" a salvação.

A fé contradiz toda certeza lógica (desde que esta se baseia nas relações de causalidade), posto que, em sua Graça, Deus simplesmente ignora a lei da retribuição e concede o imerecido. Daí se dizer que "Amar como Jesus amou é imoral [...] é imoral amá-las 'sendo elas pecadoras'. Toda moral é retributiva. A Graça é imoral porque ela não é retributiva".

Por essa razão, a Graça elimina a possibilidade de um discernimento quando aos "bodes" e "cordeiros". Não podemos julgar e, portanto, saber quem é quem: "[...] é esta a diferença entre Israel e Babilônia que não podemos de maneira alguma discernir". Portanto, não "não podemos discernir os bons dos maus, ou 'os mais merecedores da graça' e 'os menos merecedores da graça'". Afirma-se mesmo que não podemos julgar cognitivamente sobre estas coisas (sobre quem é salvo ou não).

Quanto ao pecado, os decadentes identificam o pecado original com o "conhecimento do bem e do mal", reportando-se a Gênesis. "[...] julgar e legislar sobre estas coisas é querer saber a diferença entre o bem e o mal, é querer ser como Deus; é o pecado original!" Afirma-se ainda que a única coisa que torna a Graça necessária é o pecado - o do julgamento, principalmente, poderíamos concluir. Enfim, "Graça é o esquecimento da diferença entre o bem e o mal, é o esquecimento do pecado original!"

Sobre a relação entre fé e racionalidade, os decadentes afirmam que tudo o que sabemos é racional. Isso significa que, o que cai no campo da fé seria o não-racional, no sentido de algo que contradiz a lógica da causalidade. Assim, para haver uma "certeza da fé", será preciso "[...] se certificar dessa certeza antes de aderir à fé"; pois a certeza é algo que pertence ao âmbito da razão.

Não haveria possiblidade de uma "crítica cristã da racionalidade", desde que a "crítica" é uma atividade intrinsecamente racional - a noção Kantiana de crítica da razão pela própria razão, em busca de suas condições de possibilidade. Falar em uma crítica que parte de "solo não racional" é contraditório, portanto. Se houver coerência de fé e razão, no entanto, não importa de onde começamos, chegaremos ao mesmo lugar.

Não podemos, portanto, afirmar que a crítica precisa começar com a fé ou com a razão "[...] Dizer que é necessário começar com uma ou com outra, portanto, é dizer que 'lá na frente' vai haver um desacordo e que desde já estamos tomando o partido de um dos lados neste caso. 'Começar com a fé' portanto, é pressupor a discordância." Se há concordância, enfim, não há porque privilegiar uma via em relação à outra.

Os decadentes defendem a autonomia da razão a partir do reconhecimento da ausência de fundamento além de si. A razão precisa ser autônoma, então, pois precisará dar a si mesma uma lei. Mas este imperativo de autonomia revela o nada que envolve o homem e "empurra-o" à graça.

Graça Baratíssima, Tolice Cósmica

Em primeiro lugar, penso que algo precisa ser dito quanto a esta noção de Graça: Graça como negação da lei, como contradição da lei; contradição da ordem, afinal. Pois Deus, e Jesus, atuam de forma imoral, ignorando a lei da retribuição, e amando os que não deveriam ser amados. A graça se encontra, assim, fora de qualquer estrutura de previsibilidade, não tendo nenhum ponto de contato com o saber racional.

De algum modo, os Decadentes estabelecem uma confluência entre exigência moral/legal, com o conceito de "merecimento", e a noção de certeza racional, como um único campo de "obras humanas". Assim, a "lógica" exige o juízo (a retribuição pela desobediência à lei) e a graça é vista como o "imoral" e, assim, o "ilógico". Na verdade, essa confluência é correta. Envolve a percepção de que tanto a "racionalidade" como a "moralidade" pertencem a uma ordem humana de existencia; uma ordem criatural.

Temos, no entanto, uma ruptura radical entre lei e Graça, de tal modo que a Graça é vista como oposição e contradição à lei, e não como cumprindo a lei. A Graça não transcende a lei, meramente; a Graça se lhe opõe; portanto, nada do que fizermos pode garantir a Graça, e nada pode nos separar dela - na verdade, o que fazemos não tem nenhuma relação com ela. Afinal, a graça não tem nenhuma relação com a ordem natural ou racional.

Poucas vezes, nos últimos tempos, encontrei o antinomismo religioso em uma forma mais acabada e unilateral. A Escritura não ensina, de modo algum, que a Graça signifique que não importa o que façamos, estamos salvos. Pelo contrário, o que temos é uma coerência absoluta de Lei e graça. Os que estão sob a Graça são constamente advertidos de que a Graça produz a obediência à lei. Desde o pentateuco, onde aprendemos que a lei foi dada após a Graça (o Êxodo), e que foi dada, como diz o Senhor "para o teu bem". E no profetismo, que ensinou o arrependimento e a aceitação da lei como caminho para a salvação - ensinando, inclusive, que um dia a lei seria escrita "nos corações" do povo. Ser salvo é ter a lei no coração, não "esquecer o pecado original"!

Jesus ensinou a obediência à lei; afinal, ele explicou o que a lei realmente significa, no sermão da montanha, em seu sentido moral profundo, que é o amor. E Jesus cumpriu a lei exatamente ao se sacrificar por amor a Deus e aos homens. E o sacrifício de Cristo na cruz é precisamente a confirmação da lei. A Graça da justificação se apóia neste sacrifício; nele Deus foi "justo e justificador". "Anulamos pois, a lei?", pergunta Paulo; "não, antes confirmamos a lei".

A Graça não contradiz a lei; a Graça transcende a lei sem anulá-la. É claro que a lei foi transcendida - nisso, eu concordo de todo o coração com os Decadentes. A Graça vai além da lei da retribuição, e não pode ser inferida logicamente; não pertence à ordem do "Ser"; não é algo necessário. Ainda assim, ela não contradiz, de modo algum, a lei. Afinal, Deus não é só Gracioso, senão também Justo. Deus, o justificador, não o é às expensas de Deus, o justo. Assim, em Cristo, a lei da retribuição foi, efetivamente, satisfeita. Em Cristo, a causalidade jurídica foi satisfeita, assim como todas as outras. Em Cristo, a moral foi cumprida vicariamente, não apenas porque ele cumpriu a lei por nós, mas também porque o próprio sacrifício foi o cumprimento da lei do amor, em seu aspecto jurídico e também como ato de Graça.

Por isso, no Novo Testamento, a vida sob a Graça é o cumprimento da lei. Paulo e os apóstolos ensinam inequivocamente a necessidade de obediência aos mandamentos de Deus. E ensinam muitos outros mandamentos - as cartas são cheias de leis! Eles ensinam a santificação, que é a separação moral; ensinam e exclusão de hereges e cristãos com comportamentos incompatíveis; exigem as obras - "A fé sem obras é morta"!

A Graça é o cumprimento da Lei, não a sua contradição! O paradoxo da Graça não é um paradoxo metafísico, uma contradição estrutural entre o amor de Deus e a Justiça, uma negação da ordem pelo criador da ordem, mas um paradoxo histórico, como aponta Paul Tillich; o "novo", o "inesperado", não o "irracional". A novidade da Graça transcende e enriquece a Lei, mas jamais a anula.

De modo que a "Graça" dos Decadentes não passa, realmente, de uma "Graça barata". Uma Graça sem Lei e sem razão; uma irracionalidade tonta e arbitrária de Deus. Uma grande tolice cósmica, que garante a nossa salvação, mesmo que sejamos uns blasfemos miseráveis. A Graça dos decadentes é a Graça da libertinagem e da insubordinação à Lei, acusada na segunda carta de Pedro e em Judas. É a Graça que não teme "autoridades superiores", e que se posta sob a água, como rocha submersa no caminho dos barquinhos. Uma Graça que não gosta de mandamentos não é a Graça de Cristo; e "melhor lhes fora nunca tivessem conhecido o caminho da justiça".

Da Tolice Cósmica à Evasão Cosmológica

Não surpreende que o barateamento da Graça, apresentado pelos Decadentes, esteja associado a um terrível temor contra qualquer projeto cristão de história. A Graça não tem pontos de contato com a Ordo Creationis, porque é a contradição da Lei, e não o seu cumprimento. Assim, não há qualquer esperança de estabelecer uma conexão com qualquer ordenamento humano, seja racional, seja político, seja o que for- a Graça nos põe em guerra com a lei da causalidade, ao menos no âmbito da fé.

Isso implica, afinal, em manter o relacionamento com Deus devidamente engaiolado na subjetividade, e rejeitar a ação cristã no mundo, exceto em termos de um combate a qualquer tentativa de fazê-lo! Lutar contra Babel, pensam os Decadentes, é lutar contra qualquer cidade. Assim não haverá Babel - mas também não haverá Jerusalém (exceto por um milagre que não acontecerá); e, de todo modo, os Decadentes lutarão contra ela, caso apareça. Afinal de contas, eles mesmos disseram que não tem como diferenciar uma coisa da outra. Os Decadentes gostariam de voltar ao Éden, quando não haviam cidades, e nós não conhecíamos o bem e o mal...

Numa palavra: EVASÃO. Um Cristianismo que, ao modo Kantiano, pretende "salvar" a fé e manter a "pureza" da Graça rompendo as suas amarras com a Lei e as estruturas universais da vida humana é um cristianismo avertivo, evasivo, perfeitamente ideal e perfeitamente inútil a Deus. Assim, os Decadentes dizem saber o que o Cristianismo "é", talvez, "essencialmente" ou, talvez, "interiormente", mas não tem a menor idéia de como identificá-lo empiricamente ou históricamente. Isto é impossível; o Cristianismo está dado na história, ou não é nada.

A Graça é o cumprimento da Lei e, por isso mesmo, ela nos reconduz à Lei. Ela redime a Criação. Portanto, perdoa o homem e o recoloca em sua relação original, de submissão à lei de Deus. Com ao Graça, somos integralmente salvos - em nossa racionalidade, sociabilidade, moralidade, sensibilidade estética, etc. Isto é ser salvo; ser salvo para as estruturas criacionais, não dessas estruturas. Uma salvação que não diz nada para essas estruturas reais é uma salvação oca. Uma Graça oca.

Por isso mesmo, a Graça não elimina as nossas certezas - que maldição antinômica e pós-modernóide é esta! A Graça não me fará, por exemplo, ter dúvidas se minha esposa tem uma mente racional ou não (o conhecido problema filosófico das "outras mentes", para dar um exemplo). Ela me fará, pelo contrário, compreender o porquê e o como de algo que a razão em incredulidade não é capaz de justificar, me obrigando, no caso (se sou um solipsista, ou, talvez, adoentado de idealismo alemão) e me encontrar com o real, a reconhecer que sei mesmo não sendo capaz de demonstrar meu saber.

A Graça não acaba com todas as certezas, mas destrói as falsas certezas e realça as verdadeiras certezas. A Graça é a certeza da salvação; é a certeza de que há um mundo e um eu, e que há uma ordem cósmica; que há uma Lei, e um futuro; que há um saber e um não saber; que há um certo e um errado; que certeza lógica é possível - dentro dos limites criacionais. A Graça não contradiz todas as certezas de tipo lógico, mas restaura todas as certezas verdadeiras, pois nos coloca em contato com a realidade.

O Evangelho não é essa mensagem transmundana, mística e decadente, mas o anúncio do que Deus fez na história; o Cristo bíblico não é um construto teológico, mas um fato espaço-temporal. O Evangelho dos Decadentes é como o Cristo Crucificado de Dali - um Cristo "essencial", que nos inspira, mas que paira acima do chão da história e das decisões humanas. Um Cristo virtual, que não é capaz de nos ensinar o que fazer.

A Graça verdadeira nos devolve à Lei e à responsabilidade histórica. Ela nos redime para a ação. A ação corajosa no mundo. Com todos os riscos e ambiguidades que isso implica. Por isso os caipers querem ação, e não tem medo de dizer que Deus reina sobre todas as esferas da vida, e que podemos conhecer as suas leis, e que devemos nos esforçar para obedecê-las. Isso não é fundamentalismo, como um decadente disse, mas cristianismo, simplesmente. Já os Decadentes querem um cristianismo que não corra o risco de falhar, e de receber a pecha de "fundamentalista". Que coisa inglória. É como evitar transar, para não brochar.

Fé e Racionalidade

Pelos posts ficou absolutamente claro que os Decadentes nada sabem sobre a "crítica cristã da razão". Embora este assunto me interesse bastante, penso que não seria muito útil entrar em detalhes sobre ela aqui. Em parte, porque cairia em ouvidos moucos. Assim sendo, vou me limitar a alguns esclarecimentos para que o leitor não fique no escuro.

Os Decadentes ensinam claramente a autonomia da razão. Num certo sentido, estão corretos, embora pela razão errada. É legítimo pensar a partir das estruturas internas da razão, isto é, permitir que ela seja a sua lei, se esta lei reflete nada menos que a Lei cósmica que Deus estabeleceu. Pensar logicamente, e considerar causas e efeitos, é simplesmente a vontade perfeita de Deus para o homem. Além disso, não há porque rejeitar o tipo de raciocínio transcendental que Kant desenvolveu para obter um conhecimento crítico das condições do saber, uma vez que isso é apenas uma forma de aplicação sistemática da capacidade racional que Deus pôs em nós.

As Escrituras ensinam, no entanto, que o pecado distorceu a nossa imagem de mundo, permitindo que o homem use suas capacidades racionais contra Deus, para identificar idolatricamente a divindade (o Arché) com a criatura. Como diz Paulo, os homens, "pensando-se sábios, tornaram-se loucos". A "loucura" do homem natural, acusada nas cartas de Paulo, é a irracionalidade travestidade de racionalidade. E a "loucura" do evangelho não é a negação da racionalidade, como os Decadentes pensam, mas a aparência de irracionalidade, de um ponto de vista incrédulo. Os teólogos chamam isso de "efeitos noéticos do pecado". Esses efeitos é que tornam necessária uma "crítica cristã da racionalidade".

Os Decadentes acham isso impossível, uma vez que a crítica só pode começar com a razão. Entretanto, isto é, simplesmente falso. Não há condições mais para se fazer filosofia transcendental à revelia do que as meta-críticas e a crítica hermenêutica apontaram - que não há uma razão que opere a partir de condições não apenas transcendentais, mas também históricas e existenciais. Há um Self que não é abstrato, mas histórico. Todo pensamento teórico, inclusive o mais rigoroso exame auto-crítico de suas estruturas, permanece devedor de condições supra-racionais.

Portanto, a crítica jamais, em nenhum lugar, e em nenhuma época, em nenhum indivíduo, começou com a razão. Porque a "razão", como realidade independente, não existe. A crítica é uma ação racional do ser total, que lhe antecede. A crítica começa com o coração, e se realiza como um ato espiritual integrado. A crítica racional precisa aceitar o que está além do self e que o constitui (na verdade, ela faz isso automaticamente, pois isso pertence à sua estrutura) e, para o Cristão, é impossível falar sobre isto sem falar de Deus, e de sua manifestação em Cristo - ou de um ídolo. Na perspectiva reformacional, a crítica da razão, corretamente empreendida, conduzirá ao reconhecimento de que todo pensamento teórico parte de pressuposições religiosas, isto é, de crenças religiosas associadas a uma experiência de fé.

Uma crítica cristã da racionalidade é uma afirmação da dependência do pensamento teórico em relação aos compromissos religiosos do indivíduo; religiosos num sentido existencial, de atribuição de ultimidade; de preocupação incondicional, para usar a linguagem de Tillich. E a fé tem um papel fundamental, aqui, desde que, por fé, sem obras, somos conduzidos a uma compreensão da verdade sobre Deus, sobre o mundo, e sobre nós mesmos. E a luz da verdade é capaz de dissipar a escuridão dos efeitos noéticos do pecado, ao motivar o homem a pensar a partir da verdade, e não contra ela.

(Quanto à esperança de que haverá, enfim, uma coerência de fé e racionalidade - bem, não se trata de "futuro", literalmente... É uma forma de dizer que a coerência é assumida por princípio, pela confiança na coerência de Criação e redenção. É um posicionamento metodológico.)

Caso, enfim, algum decadente ou alguém mais queira saber melhor o que é essa "crítica cristã da racionalidade", eu sugiro que leia primeiro, alguma coisa sobre o assunto - do contrário nos perderemos em uma conversa "de surdos". Que leia Herman Dooyeweerd, Alvin Plantinga, ou Wolterstorff. Ou Roy Clouser, no mínimo, para saber do que os caipers estão falando.
Algo em português

O "Pecado Original" dos Decadentes?

Os Decadentes relacionam o pecado com a Criação, nitidamente. Não apenas não tem qualquer noção de ordem criacional, e rejeitam a coerência entre a Graça e a Lei, a lógica, a moral, o discernimento, etc, mas afirmam, indiretamente, a pecaminosidade do mundo criado. Assim dizem, num momento, que a única coisa que torna a Graça necessária é o pecado e, em outro, que somente a Graça torna o mundo possível, como criação. Mesmo que essas declarações sejam escorregões teológicos, sua atitude geral, enfim, ao estabelecer um paradoxo ontológico entre "Graça" e "natureza", "Graça" e "Lei", equivale, finalmente, à negação da bondade do mundo, ao dualismo gnóstico.

A confusão de criação e queda aparece ainda nas idéias dos Decadentes sobre o "pecado original". Seria o "conhecimento do bem e do mal", segundo eles, e a salvação o "esquecimento" do bem e do mal. Ora, o pecado não é o conhecimento do bem e do mal - que bobagem ridícula - mas a tentativa de obter o conhecimento do bem e do mal autonomamente.

Assim as Escrituras estão cheias de recomendações sobre a necessidade de distinguir o puro e o impuro, não apenas no sentido ritual, mas no sentido moral. Os Salmos estão cheios disso; os provérbios e os livros proféticos. E Hebreus, então, que descreve os espiritualmente adultos como pessoas capazes de "discernir não somente o bem, mas também o mal"? E Paulo, que ordena a separação do "fermento velho", que era o comportamento imoral? E apocalipse, que ordena a santificação do santo e a imundície do imundo?

O discernimento cristão é um imperativo bíblico. "Examinai todas as coisas, retende o que é bom" - como fazê-lo, se não temos categorias? Paulo diz em 1Coríntios que o homem espiritual "julga todas as coisas", e que nós temos "a mente de cristo". Nem se trata, aqui, de julgar o destino final (salvação ou perdição de alguém), mas de julgar idéias, comportamentos, posicionamentos e atitudes. Isto não é somente legítimo; é obrigação. É o discernimento. "Não sabeis que havemos de julgar os próprios anjos? Quanto mais as coisas dessa vida" - foi o que disse Paulo.

Mas os Decadentes não sabem nem mesmo quem foi Hitler, ou o que é Babel, pois o evangelho destruiu todas as suas certezas, e invalidou todas as suas categorias. Não podem, portanto, julgar. Enquanto isso, Paulo grita de sua tumba: "Com que direito haveria eu de julgar os de fora? Não julgais vós os de dentro?" Os Decadentes querem eliminar o discernimento cristão, para que todo o tipo de esquisitice teológica e moral tenha seu lugar, em nome da Graça. Portanto, julgar e discernir tornou-se "fundamentalismo". Uma mediocridade deprimente, ssurrealista. Que mico é este, pelo amor de Deus?

E agora, enfim, os Decadentes conseguiram transformar o conceito Bíblico de pecado em uma justificativa para a anulação do discernimento cristão. Pecado é discernir o pecado. Heresia é discernir a Heresia. Maldade é discernir a maldade. Santidade é nada saber, nada distinguir; amor é "juntar a fé e a vergonha, chamando a todos de irmãos", como chorou João Alexandre.

Pois eu digo: aqui está o pecado original dos Decadentes: eles dissolveram a Ordem cósmica, calcaram aos pés a Lei Eterna, baratearam a Graça divina, e destruíram o discernimento cristão com uma única finalidade: juntar a fé e a vergonha.

Saída? Nenhuma retratação teórica será suficiente. Pelos ossos de meu bisavô, o que vocês seguem e pregam é um falso evangelho. Arrependam-se. A Graça não salva ninguém sem conversão - isso é ilusão pós-modernóide.
Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal; que fazem da escuridade luz e da luz escuridade; põem o amargo por doce e o doce por amargo!
Isaías 5.20

25 Comments:

Blogger Guilherme said...

então nós vamos para o inferno?

7:56 AM  
Blogger Guilherme de Carvalho said...

Caro mro. Guilherme,

Quem sou eu para dizer se vcs vão para o inferno ou não?

É possível que, no fundo, vcs saibam que este evangelho da incerteza é falso. E se livrem dele, finalmente. De repente, por uma razão desconhecida para mim, ou para vcs, o que está acontecendo no momento é um entorpecimento temporário, motivado por experiências ruins com falsos crentes, ou com pastores que abusam de autoridade, ou sei lá o quê.

De repente, vcs vão reler as suas bíblias e lembrar de novo do que o evangelho é.

Se vcs vão para o inferno? Ora, não posso saber isso. Tudo o que sei é que esse conceito de graça de vcs vai para o inferno...

9:37 AM  
Blogger André Tavares said...

Caro MRo Guilherme,

não sei se a questão é ir pro inferno. Apesar de achar que sua pergunta é retórica (nada melhor para caracterizar fundamentalistas do que encontrá-los legislando sobre o destino eterno alheio), o que está em questão é a legitimidade da mensagem do Evangelho. Como o Guilherme disse, seu destino post mortem é interiramente seu.

O que é engraçado é que após tanta argumentação, onde os pontos apresentads pelOs Decadentes foram cuidadosamente considerados, vc se limite a uma pegadinha... Francamente!

11:18 AM  
Blogger Humberto R. de Oliveira Jr said...

Caro Guilherme,

Penso que você não precisaria dizer coisas do tipo "Arrependam-se. A Graça não vai salvá-los sem conversão".

Os caras são cristãos, estão dispostos a dialogar, só porque não abraçam a sua forma de pensar não são convertidos? Como sabe que no íntimo não são convertidos? Apenas pela leitura do texto deles você sentencia que não são convertidos? Convertidos à Cristo ou ao Calvinismo?

Desculpe-me por entrar de sola na conversa de vocês. Na realidade não estou me posicionando a favor ou contra a qualquer argumento, estou apenas me deliciando com o debate e, sem dúvida, aprendendo. No entanto, a maneira como você colocou algumas palavras faz parecer que escreveu o texto por impulso emotivo. Partindo para o lado pessoal. Se não foi assim, esqueça o que eu disse.

Outra coisa, você disse: “ Como é possível que esse tipo de coisa exista dentro da Aliança Bíblica Universitária? Que mico é este, pelo amor de Deus?”

Cara, a ABU é um movimento interdenominacional não uma confraria calvinista. E você sabe disto! As pessoas que estão a li têm liberdade para pensar e ninguém da liderança força a barra. Dentro do movimento existem várias tendências teológicas, pois existem pessoas de várias igrejas e seguimentos do meio evangélico nacional.

Não chamo o que eles escreveram de heresia. Mas, ainda que tivessem escritos coisas que, ao meu ver, fossem heresias, fazer parte da ABU ou qualquer outro movimento de respeito não seria garantia de que eles teriam posicionamentos teológicos saudáveis.

Peço apenas tolerância. Perdoe-me se entendi mal.

Em Cristo,

11:37 AM  
Blogger Temporal said...

Apesar do texto quilométrico e labiríntico em que eu me perdi no meio e me reencontrei apenas no fim. Parabéns Guilherme, usou Escrituras e filosofia para contrapor Filosofia e escrituras.
Sobrou para o meu agrado até algumas gostas de compaixão no fim do texto. Lindo!

Mas, gostaria que você procurasse produzir textos mais acessíveis a leigos, nos termos filosóficos e expressões de ideias. Pode dar mais trabalho mas é bem recompensador e ajuda na divulgação da Filosofia Reformacional.

Nem li esses exageros que você denunciou, não posso falar nada... Pelo que eu já conversei com eles, eles enfocam a Graça porque sentem que ela está esquecida entre os outros Solas, nada de usar esses pensamentos para justificar libertinagens ou heresias.

Mas prefiro me calar a ser tomado por tolo.

12:35 PM  
Blogger Thiago said...

Só para esclarecer possíveis confusões:

A aliança bíblica universitária(ABU) não tem absolutamente nada a ver com isso. Expressamos opiniões particulares que estão totalmente desvinculadas do movimento. A ABU é plural, existe no país inteiro há 50 anos e conta com pessoas de tendências teológicas de quase todas as espécies. Espero que as coisas fiquem bem separadas. Ou seja, pelo amor de Deus, não fiquem com uma má impressão deste movimento tão rico por causa de três "fraudinhas"(apelido criado por nosso amigo andré em seu blog).

Outra consideração: espero que não entendam como arrogância possíveis lapsos de ironia ou declarações emotivamente carregadas. Esperam que entendam que todos estão somente discutindo idéias e em momento nenhum fizemos ofensas pessoais. Eu, particularmente, me apeguei de maneira "exagerada" a pontos que sinto desconforto para efeito de debate. Porém, reconheço na proposta apresentada por vcs pontos positivos. Considero as pessoas que conheci no II encontro da rede bem-intencionadas, inteligentes e de grande valia para a discussão da missão cristã no Brasil. Entretando, como já falei para alguns, espero que a Rede de Cosmovisão Cristã seja uma rede CRISTÃ (plural;não somente kuyperiana e schaefferiana, ou neocalvinista, ou ultra-conservadora, de esquerda ou direita, ou seja lá qual for o "partido" de cada um). Enfim, se um dia nos encontrarmos pessoalmente novamente espero ter o mesmo bom tratamento e cordialidade que recebi em BH em julho.

Agradeço a todos a atenção e a paciência (tanto dos que escreveram quanto dos que somente leram). Espero que cada "lado" não esqueça de se auto-examinar, ao invés de somente apontar para o outro. Lembro que essa atitude só pode acontecer se a Graça for derramada sobre nossas consciências.

Abraço fraterno a todos.

SOLA GRATIA

Vinícius

3:18 PM  
Blogger Debora said...

a discussão foi intolerante e desrespeitosa...uma pena

4:03 PM  
Blogger Guilherme de Carvalho said...

Caro Humberto,

É meu costume amplificar na retórica (às vezes me dou mal com isso, hehehe), mas repito: não estou afirmando que eles sejam ou não crentes.

O que disse, apenas, é que a noção de que o evangelho "contradiz todas as nossas certezas" é uma distorção; assim como a contradição entre Graça e Lei. Eu poderia ter escrito um texto muito mais frio, mas diria basicamente a mesma coisa.

Agora, tudo depende de como o Xoyo vai se posicionar. Se ele se retratar e reconhecer que houve uma distorção fundamental, ficará claro que cometi um exagero. Daí vou ter que me retratar no Blog. Se, no entanto, ele se mantiver defendendo essa noção de Graça (e isso não for meramente uma reação emocional), então temos um sério problema.

*Os caras são cristãos, estão dispostos a dialogar, só porque não abraçam a sua forma de pensar não são convertidos? Como sabe que no íntimo não são convertidos?*

Como eu acabei de dizer, não penso que eles não sejam convertidos. Mas conheco Bíblia, Teologia e Filosofia o suficiente para saber que essas idéias sobre a Graça não são convertidas.

Quanto à disposição para dialogar, não tenho tanta certeza. A minha impressão é a de que eles tem uma certeza absoluta de não temos certeza de nada, e o resto é "fundamentalismo", "dominar o mundo", etc. E tudo isso foi afirmado com muita convicção. Assim, eles devem saber enfrentar as consequências de seus posicionamentos. Enfim, se eles querem mesmo dialogar, isso ficará claro nos próximos dias.

Quanto ao Calvinismo: eu li as ironias do Vinícius sobre "Genebra" - as que vc gostou. Olha, não sei que tipo de Calvinismo vc conhece mas, por favor, se informe antes. O que defendemos se chama "neocalvinismo", e é uma coisa bem diferente de "teocracia genebrina" (o que, aliás, é um mito).

De qualquer modo, gostaria de pontuar que o meu calvinismo não é do tipo dos presbiterianos puritanos - alguns deles, por sinal, estão me olhando torto. Em nem sei como eles ainda me toleram na "confraria calvinista", hehehe!

Quanto à ABU: como eu disse, depende de como o Xoyo vai se posicionar. Afinal, embora a ABU seja pluralista, é de confissão evangelical. Mas vc está certo: ABU não é igreja. Seus apoiadores não tem que se submeter a uma confissão. Só acho isso incoerente.

Quanto à tolerância: depende de que tolerância vc está falando. Se está falando em liberdade de pensamento e expressão, ok. Eu também peço tolerância para o meu "fundamentalismo sofisticado" (como disse o Vinícius). Mas se está falando que um crente pode dizer o que quiser por aí, mesmo que seja uma bobagem teológica, e não passar nenhuma vergonha, então sinto muito, mas não dá...

4:14 PM  
Blogger Guilherme de Carvalho said...

Olá Vinicius.

Quanto à ABU: ok, entendi o recado.

Quanto aos "lapsos de ironia": bem, acho que foi bem mais do que isso. Vc deixou claro que precisamos "combater" o "neocalvinismo", esse "fundamentalismo de luxo". "Combater" não é só um lapso de ironia, ok? Combatemos coisas que são "perigosas".

Eu procurava entender a raiz de uma incompreensão tão grande do que estamos fazendo (principalmente considerando o tom do encontro da Rede, no qual vc estava, que era o de confrontar o totalitarismo do mercado através de espaços de liberdade! Nada de Pink e Cérebro, bolas! :-D) e a encontrei no post do Xoyo: a transmutação da graça em antinomia.

Somente de dentro de um erro como este vc poderia ter concluído que era necessário nos "combater"!

Quanto a mim, estou disposto a parar, no momento em que o combate dos Decadentes contra a Lei de Deus, em nome da Graça, cessar. Agora, enquanto vcs quiserem "combater" o "neocalvinismo", serei forçado a defender a minha liberdade, de pensamento, ok?

abr,

Guilherme

4:26 PM  
Blogger Thiago said...

Guilherme,

Existem coisas que acho perigosas sim, senão nem começaria esse troço todo.

Senão fui claro me desculpe. Mas me referia a "combater" os riscos sérios de um "neocalvinismo" CONDUZIDO de maneira tal que nos leve, em um futuro talvez até distante, a um tipo de "fundamentalismo de luxo" (essa parte foi só ironia, espero que saiba levar certas coisas na esportiva). Acho que vc deve admitir que também há riscos em sua postura, assim como na nossa. Todos temos riscos(a História nos ensina isso) e devemos combater qualquer um deles, sempre. Só quis caricaturar a parte do perigo, uma vez que o "standart" já é bem conhecido pelo pessoal, principalmente por vc.

A propósito, vcs acham possível que definições rigorosas ou racionais dêem conta de tudo? Deve mesmo haver um conceito fechado para tudo? Quanto mais para a Graça, um mistério, a loucura da Cruz?!. Ora, se tudo fechasse bem, se houvesse completude perfeita em nossas "equações" e "axiomas" teológicos(incluindo na Lei), seria mesmo uma reforma cristã da razão?

Vcs reclamaram que não definimos a Graça que tanto falamos, mas vc mostrou que entendeu o que queríamos dizer no começo do seu texto de resposta ao Xoyo. Isso mostra que não nos expressamos tão mal assim. Aliás, espero que saibam considerar também ironias e algumas satirizadas. Afinal, não existem apenas tratados filosóficos gigantes e carrancudos, mas também charges, caricaturas, música e humor(cadê minha amiga Débora com suas poesias?). Enfim, formas diferentes de expressão que também falam. Não vamos ser tão caras fechadas. Por exemplo, eu achei a historinha do André ótima, apesar de descer a lenha em nós, e levo na esportiva (gostei, talvez mais do que se tivesse escrito um livro pra mim). Claro, vcs podem dizer que recorremos a certas coisas do tipo "pink e o cérebro" porque somos fraudinhas, intelectualmente e academicamente incapazes, mas tenho certeza que uma mensagem foi passada.

Devo também lembrar aqui que estamos em desvantagem "numérica" nesse "debate". Afinal, excetuando Os Decadentes, praticamente todos aqui são conservadores rigorosos e vc, Guilherme, vale por uns 3 debatendo. Tendo isso em vista, o fato de causarmos tantos posts em seu blog, e às vezes irritação de alguns conservadores, mostra que as pessoas entenderam alguma coisa. Espero que vc acredite na Graça o suficiente para entender que mesmo em meio às heresias e anti-academicismos Deus pode falar.

Abraço fraternal

SOLA GRATIA

Vinícius

5:25 PM  
Blogger Thiago said...

Olá Guilherme,

Não vi que vc simpatizou com o lance do ratinho cerebral. Só depois que fiz o último post. Enfim, legal...

Penso que o ratinho representa um tipo de reducionismo em que qualquer proposta racional(seja ela vinda da Fé ou não) corre risco de cair. Um reducionismo que, ironicamente, torna possível a falsa immpressão de que podemos "cerebralmente" conquistar coisas e ocupar espaços. O cérebro quer ser Napoleão naquele episódio. Por querer coisas desse tipo ele sempre fracassa. Além disso, o cérebro manda no pink como bem entende porque acha que sua óbvia inteligência dá legitimação para isso. Ou seja, a supremacia e exercício de poder do "racional", apesar de tudo começar com uma fé (a possibilidade de conquistar o mundo).

Para nós, cristãos(ou aspirantes a tal), vale ressaltar que somos chamados para servir. Essa é nossa missão, o serviço ao próximo em amor. Sendo assim, tal serviço não pode ser substituído por um certo tipo de exercício de supremacia. Servimos mais de joelhos que dê pé apontando o caminho. Subimos ao navio mais para ajudar na limpeza do porão do que para apontar o caminho teocêntrico de navegação. Isso tem a ver com nossos posicionamentos. Nossa missão nos mais variados tipos de espaços da sociedade (economia, arte, ciencia, etc.) deve ser caracterizada por um serviço que, quando perseverante, pode trazer à luz a diferença entre o que é cristocêntrico e o que não é (o perigo é querer fazer esse discernimento a priori, havendo o risco de se tranformar em uma supremacia legitimada pela utilização de um cérebro que julgamos teocêntrico). Agora, tal diferenciação e o discernimento e impulso ao serviço vêm pela Graça, não dependem absolutamente nada de nós mesmos.

Abraço,

SOLA GRATIA

Vinícius

5:47 PM  
Blogger Guilherme de Carvalho said...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

6:00 PM  
Blogger Guilherme de Carvalho said...

Vinícius,

Vc está certo, quando diz que há um potencial para o fundamentalismo em nossa proposta. É verdade. E há, mesmo, um potencial para o totalismo religioso - se bem que a história mostra o contrário; a tendência do neocalvinismo, nos países que entrou, foi de tornar-se pluralista, até demais. Isto porque o conceito de "esferas de soberania" é exatamente um conceito pluralista: ele afirma que nenhum campo da vida pode dominar sobre o outro. Ele inibe o totalismo religioso.

Quanto à racionalidade: não penso que é possível tratar tudo racionalmente, de modo algum. Ao menos numa definição restrita e pouco humana de racionalidade. Ainda acho que vcs poderiam ler o artigo sobre Dooyeweerd que eu indiquei. Mas sem preconceitos: ele já morreu, e provavelmente eu não sou um bom representante de seu pensamento, hehehe!

Há uma diferença importante, no entanto: eu admito que há um perigo potencial em afirmar a lei de Deus, para uma heteronomia cultural, uma tirania. Se vc quer saber, posso ouvir a voz de Deus contra nós, aqui. Ao menos como advertência de que se nosso pensamento e proposta não levar isso em consideração, será mesmo perigoso. Asseguro a vcs que brincadeira sobre o "ratinho racional" será levada a sério.

Por outro lado, usar a graça para relativizar a soberania de Deus em todas as esferas da vida não é um erro potencial; é um erro atual. Um erro muito combatido pelos reformadores, por ser realmente fatal para o cristianismo verdadeiro.

Acho que vcs precisam reconsiderar o conceito. E se já tentaram utilizá-lo na forma atual, como princípio de vida e pensamento, sem estabelecer uma relação entre Graça e Lei, então precisam reconsiderar também sua práxis. Mas isso eu não sei; pertence a vcs.

Quero dizer ainda que estaria disposto a publicar uma resposta de vcs no meu Blog (se ela levar a sério o problema que apontamos) acompanhada da sua crítica sobre o perigo do totalismo religioso (em uma forma realmente dialógica, por favor).

abr,

Guilherme

6:05 PM  
Blogger Humberto R. de Oliveira Jr said...

OLá Guilherme,

Obrigado pela atenção. Quanto ao fato de (você disse) eu gostar das ironicas sobre "Genebra". Realmente, confesso que achei bem criativo (hehehe) a expressão "Genebra Intelectual". Achei até apropriado, e ainda acho apropriado o uso em relação a muita gente. Mas vamos deixar isto de lado, o interessante é que você me parece disposto a dialogar e ouvir, isso é bom, to gostando.

Penso que os debates existentes entre os bloggers serão extremamente úteis para o movimento evangelical brasileiro, mas desde que tenham aplicabilidade prática. Espero que nossas idéias possam se materializar de maneira que haja mesmo transformação.

Sobre calvinismo. Posso te dizer que, embora eu tenha falado daquela maneira, respeito seus posicionamentos, sei que você é um neocalvinista(conheci a pouco este termo), e até estou lendo o Cosmovisão Cristã e Transformação (muito bom, parabéns!).Agora que me esclareceu melhor sobre sua forma de pensar, ok. Tudo certo!

Mais uma coisa. Concordo com meu amigo Christie quando diz que você poderia ser mais acessível aos leigos.

Abraços a você e aos decadentes

8:37 PM  
Blogger Thiago said...

Já que o Franklin lembrou Gálatas, preciso saber uma coisa de vcs:

Como se decai da Graça?

Abraço, até mais...

11:21 PM  
Blogger Thiago said...

Penso que nós (os decadentes) se excederam na conversa.

Admito que, de minha parte ao menos, falta conhecimento quanto aos doutrinadores que vcs invocam tanto. Antes de escrever mais, vou ler os textos indicados pelo Guilherme, para ter uma noção. Contudo não vou ler tudo. Acho que um embate intelectual não se ganha lendo a maior continuidade de autores. Acho que uma noção temos que ter e se chegarmos a conclusões erradas sobre esses autores peço que me retifiquem. Também acredito que até mesmo vc Guilherme não tenha o mesmo conhecimento que eu tenho em Ellul, Tolstoi, etc.
Digo isso para continuar o diálogo!
Mesmo nos exaltando, estou adorando isso.

Quanto a falarem que somos imaturos, que temos um discurso mal fundamentado, etc. Penso que estão certos, se julgarem a respeito dos autores que vcs gostam. No entanto, pensando nessa perspectiva, não seriam vcs imaturos em relação aos teólogos que vcs não gostam tanto, ou pelo menos aqueles que não tem relevância (na opinião de vcs)?
Acho que, como vc mesmo disse, nunca vi um antinomismo tão refinado e bem acabado. Acho que nosso pensamento esta inteligível ao menos.

Não acho que somos antinomistas, marcianos, gnosticos etc. Não estamos tentando bater em Cipriano ou reviver uma seita antiga. Nem lemos nada deles. Acho injustiça, mas digo por mim, não me importo com os rótulos. Acho que é contraditório falar que usamos toda essa fundamentaão e depois falar que estamos tentando inventar a roda. Ou estamos repetindo ou tentando inovar. Mas, sinceramente, não me importo com o lance do etiquetamento, podem me chamar de cristão, de anátema, anarquista etc. Acho que isso só limita a discussão, o que é uma pena.

Adorei o texto dos fraldinhas. Acho que Deus já me tratou bastante quanto ao meu orgulho intelectual (e ainda continua tratando). Portanto, é isso, façam a sua parte e me esforçarei para pelo menos para ser uma boa discussão!

A única coisa que realmente me chateou foi o lance da "diretoria de curitiba da ABU". A ABU, como já foi dita, é interdenominacional e contempla toda sorte de crenças dentro do movimento evangelical. Ou seja, nós não atacamos os movimentos pró-Labri ou AKET. O ataque foi a mensagem, ao posicionamento, dos interlocutores.
No nosso blogger não há nenhuma associação com a ABU. O blogger é de responsabilidade nossa (Guilherme, thiago, Vinícius e Xoyo) e não é do movimento da ABU.
Penso que foi algo muito equivocado da parte de quem citou a ABU. Falo isso apenas para pontuar essa questão, e espero que vcs tenham entendimento de, assim como fez o André, apontar as nossas falhas e desvincular o movimento disso.

Espero que as provocações continuem, mas que tudo seja dentro dos limites propostos por vcs, ou seja, de forma dialógica.
E desculpem pela sátira do pinky e cérebro, o vini já explicou, e a comparação pode ter sido considerada como agressão e não pilhérias. Assim, me disponho a retirar o post se você (Guilherme) não gostou da piada e se o Franklin não gostou da comparação com o Pinky.

espero que tenha deixado algumas coisas mais claras...

fiquem na Graça

thiago

11:44 PM  
Blogger Xoyo said...

Caro Guilherme,

E todos os outros que estão acompanhando este debate ou pensem vocês o que quiserem de tudo isto.
Obrigado Guilherme pela sua consideração a nós. Pelo tempo que perdeu escrevendo e tudo mais, valorizo muito seu esforço. Peço desculpas se quando comecei a conversa fui ofensivo ou coisas assim. Acredito que provavelmente você não estava - enquanto postava para o Vini - procurando ser rigoroso terminologicamente nem coisas assim, sinto como se tivesse te pego de calças curtas. Vejo que você têm mais clareza sobre sua posição do que parecia a primeira vista. Creio que foi um feliz acaso que me fez não entrar em seu blog antes, considerando que desde o começo do ano quando conheci o Marcel ele me insistia repetidamente para vir aqui ler seu blog. Fiquei muito feliz quando soube que você estudava Tillich, não li muito dele igualmente mas imaginei que alguém disposto a ler Tillich e de confissão evangelical poderia ser alguém bom! Não digo que não encontrei o que procurava ou que "tenho pena" por sua posição ou coisas assim. Mas ironia ou não estou profundamente entusiasmado com o que poderia surgir de um debate de posições tão antagônicas quanto as nossas. Ah, o Marcel insistia muito com que eu te conhecesse pois eu estudo filosofia na UFPR aqui. Esperava encontrar alguém de posição parecida com a minha e não tão diferente. Explico um detalhe que talvez esclareça alguma coisa. Creio que a Graça redime. Mas a redenção operada pela Graça é completa e total. É de onde retiro meu conceito de Missão Integral, não que os indivíduos sejam redimidos por inteiro mas que a Criação inteira será redimida (como diz Romanos 8.18-25)! E se algo pode ser redimido creio que o pode das formas mais inesperadas. Por exemplo creio que a podemos encontrar mesmo nos textos de um autor como Nietzsche ecos da Graça tal como ela foi proclamada pela "primeira" vez, ou ao menos pela primeira vez em solo alemão, por Lutero. Creio que a filosofia dele pode ser redimida do "anticristianismo" a ela imposto pela Letra que os séculos deixam apodrecer. Pois cabe não a nós mas ao Espírito dar vida a esta Letra morta, se ele o quiser e eu sei que ele o quer! Ele quer tudo redimir! Então não tenho medo algum de posições que escandalizem ou que choquem a grande maioria das pessoas. E para mim não há escândalo mais gracioso do que a cruz de Cristo! O que acontece é que o escândalo da Cruz é sempre e sempre desfeito. Para nós ela não mais escandaliza, daí meu tom polêmico. Quero sinceramente entender porque a Cruz não mais escandaliza, acho que uma forma muito clara como isto vêm acontecendo é isto que nós intitulamos de fundamentalismo. O fundamentalismo é plural, ele assume várias faces e várias máscaras, algumas mais sutis e outras mais tolas. Confesso que eu não tenho bagagem intelectual para dizer o que é e o que não é fundamentalismo. Mas até onde vejo o fundamentalismo é o medo de ir para o inferno, as obrigações eclesiásticas forçadas, a ausência completa daquilo que Paulo intitula de liberdade! Ele diz "foi para a liberdade que Cristo vos libertou, não vos submetais novamente a um jugo de escravidão" (Gl 5.1). E até onde eu leio e releio - esta semana que passou procurei diligentemente no livro de Gálatas algo que dissesse o contrário - o jugo de escravidão ao qual Paulo se refere é a Lei. O tema central da epístola de Gálatas é, caso vocês não tenham percebido, a circuncisão! Os gálatas estavam se deixando levar tanto pela Lei que queriam novamente se circuncidar, o caso deles é o fundamentalismo tosco e tolo. Mas existem outras formas de fundamentalismo e a que eu mais me preocupo é a que se refere a moralidade! Não somos nem um pouco frouxos moralmente Guilherme, não se preocupe, por sinal o que você falou sobre "não fazer sexo para não brochar" não faz o menor sentido para nós por sermos todos solteiros virgens (embora eu deva confessar que não temos NENHUM mérito nisso). Mas eu digo e repito que eu não sou "certinho" porque quero ou qualquer coisa assim, isto é tudo aparência exterior e isto não importa, meu maior pecado é a cobiça, a falta de amor, coisas que na verdade ninguém jamais reprovou em mim. Meu medo todo é sempre esse, o da cobiça, do orgulho, da falta de amor, da timidez, você não sabe como eu tremo quando leio em Apocalipse que os tímidos não herdarão o Reino dos Céus!
Há também uma interpretação muito errônea feita de Tiago, por exemplo, quando ele fala que a fé sem obras é morta. A idéia que temos de obras hoje é muitíssimo influenciada pelos pseudo-intelectuais do Renascimento e do Iluminismo. Para nós obras são aquelas coisas que nós fazemos do ponto de vista ético-moral: impureza sexual, roubar, matar. Sempre do ponto de vista negativo. Leia o texto clássico de Tiago 2.14-26 a obra que justificou Abraão não foi uma conduta moral impecável: foi assassinar seu filho. E diga-se isto de Raabe, a prostituta, o que a justificou não foi deixar de ser prostituta, foi mentir para o seu país escondendo pessoas em sua casa e conseguindo um "salvo conduto" não oficial para eles. O conceito de "subjetividade" como é popularmente entendido hoje por nós sequer existia quando
as cartas todas foram escritas! Sem considerar a distância que pode certamente existir entre obras e lei!
Minha posição é a mesma de Paulo em Gálatas e Romanos. Cito o mesmo texto que citei para o André hoje.

"Nós, judeus de nascimento e não “gentios pecadores”, sabemos que ninguém é justificado pela prática da Lei, mas mediante a fé em Jesus Cristo. Assim, nós também cremos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pela prática da Lei, porque pela prática da Lei ninguém será justificado.
Se, porém, procurando ser justificados em Cristo descobrimos que nós mesmos somos pecadores, será Cristo então ministro do pecado? De modo algum! Se reconstruo o que destruí, provo que sou transgressor. Pois por meio da Lei eu morri para a Lei, a fim de viver para Deus. Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo na carne, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim. Não anulo a graça de Deus; pois se a justiça vem pela Lei, Cristo morreu inutilmente!
Ó gálatas insensatos! Quem os enfeitiçou? Não foi diante dos seus olhos que Jesus Cristo foi exposto como crucificado? Gostaria de saber apenas uma coisa: foi pela prática da Lei que vocês receberam o Espírito, ou pela fé naquilo que ouviram? Será que vocês são tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, querem agora se aperfeiçoar pelo esforço próprio (grego: pela carne)? Será que foi inútil sofrerem tantas coisas? Se é que foi inútil! Aquele que lhes dá seu Espírito e opera milagres entre vocês realiza estas coisas pela prática da Lei ou pela fé com a qual receberam a palavra?
Considerem o exemplo de Abraão: “Ele creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça”. Estejam certos, portanto, de que os que são da fé, estes é que são filhos de Abraão. Prevendo a Escritura que Deus justificaria os gentios pela fé, anunciou primeiro as boas novas a Abraão: “Por meio de você todas as nações serão abençoadas”. Assim, os que são da fé são abençoados junto com Abraão, homem de fé.
Já os que se apóiam na prática da Lei estão debaixo de maldição, pois está escrito: “Maldito todo aquele que não persiste em praticar as coisas escritas no livro da Lei”. É evidente que diante de Deus ninguém é pela Lei, pois “o justo viverá pela fé”. A Lei não é baseada na fé; ao contrário, “quem praticar estas coisas, por elas viverá”. Cristo nos redimiu da maldição da Lei quando se tornou maldição em nosso lugar, pois está escrito: “Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro”. Isso para que em Cristo Jesus a benção de Abraão chegasse também aos gentios, para que recebêssemos a promessa do Espírito mediante a fé."
(Gl 2.15-3.14)

Eu disse no meu primeiro post, caso não se lembrem, de que a fé é a única forma de relação com a Graça. Não sei se é possível interpretar este texto de Gálatas de alguma outra forma não exijo de vocês o ônus da prova. Mas é claro o significado de Lei e Fé aí. Considerando as proporções que a coisa toma, e se vocês estiverem dispostos a um diálogo longo eu topo com muita alegria, mas não prometo abrir mão das ironias!

Graças a Deus!

1:56 AM  
Blogger Guilherme de Carvalho said...

Caro Thiago,

Vc está certo; o outro sempre sabe algo que a gente não sabe. Assim, não é honesto apelar para a ignorância do outro, pois sempre "não sabemos" mais do que "sabemos"...

Eu citei aqueles autores, no entanto, por que são essenciais ao debate, mas pouco conhecidos no Brasil. Nem mesmo os evangélicos conhecem seus melhores filósofos (Plantinga, por exemplo, já foi presidente da American Philosophical Association). Acho um crime a gente não valorizar a nossa própria tradição.

Francis Schaeffer mesmo (apesar de ser mais um popularizador da tradição reformacional), é desprezado antes até de ser entendido!

Quanto à imaturidade: bem, eu não usei essa expressão, nem sugeri isto nos meus textos. Mas quero comentar sua interpretação disso:

*"Penso que estão certos, se julgarem a respeito dos autores que vcs gostam. No entanto, pensando nessa perspectiva, não seriam vcs imaturos em relação aos teólogos que vcs não gostam tanto, ou pelo menos aqueles que não tem relevância (na opinião de vcs)?*

Veja, Thiago, a questão não é meramente a de maturidade intelectual, ou de falta de conhecimento de um ou outro teólogo. O que falta é compreender a força da tradição evangélica. A compreensão que ela traz do cristianismo. Poderíamos nos referir especificamente a Agostinho, ou a Lutero, ou Calvino, ou aos grandes intérpretes da Reforma, até os atuais. Mas a questão não é se vcs conhecem bem X ou Y. A questão é a de vcs falarem "qua" evangélicos demonstrando compreensão superficial do espírito evangélico, e da própria leitura evangélica da Bíblia. Então a questão não é só teórica; é também um problema de adesão e de identidade.

Sinto que vcs se cansaram do evangelicismo (por razões que desconheco) antes mesmo de captarem de fato o seu significado e, de algum modo, estão transformando essa incerteza em "theoria" - isso não é um argumento "ad hominem"; é apenas uma impressão.

Quanto ao "etiquetamento": veja, Thiago, dizer que a graça de Deus é imoral É ANTINOMISMO. Eu sinto muito, mas é simples assim. Agora, se isto foi apenas "poético", há uma ambiguidade nos textos - eles realmente parecem defender idéias definidas. Não se trata de "etiquetamento", mas de "mapeamento". Talvez possamos dizer que vcs sejam antinomistas de um tipo particular. Ou, talvez, vcs tenham apenas "lapsos" antinomistas e, no fundo, estejam comprometidos com a coerência de Lei e Graça. O tempo dirá.

Quanto à ABU: Eu compreendo as suas preocupações, e vou retirar as referências explícitas no texto. Há uma coisa séria, no entanto, aqui: a ABU é uma entidade evangélica, e seu pluralismo não é tão amplo a ponto de incluir, por exemplo, o liberalismo teológico. Ao menos "oficialmente".

Assim, vcs precisam levar essa questão a sério. Assim como vcs estão indignados com o legalismo evangélico, o abuso de poder dos pastores, e coisas semelhantes, eu estou indignado com a tentativa de usar a linguagem da tradição cristã com uma carga de sentido que não é cristã. Desse modo, se vcs de fato são antinomistas, e esta posição se tornar dominante na ABU de Curitiba, isto é um problema; e sempre que eu encontrar idéias semelhantes por aí, deverei confrontá-las como estranhas ao espírito evangélico.

Mas a questão da relação com a ABU, em princípio, é um problema de vcs, mesmo. Portanto, como eu disse, vou retirar as referências.

Quanto ao Pinky & Cérebro, (ou aos comentários sobre o fundamentalismo, etc) bem, não acho necessário retirar a piada. Eu não entrei no debate para exigir esse tipo de correção (sei lá, talvez eu mude de idéia mais tarde :-D). Eu entrei na discussão por uma única razão: definir a Graça como algo que destrói as nossas certezas e que é imoral, porque transgride a lei da retribuição, é uma distorção do evangelho. Se vcs não enfrentarem este ponto, tudo será inútil.

Eu quis chamar a atenção para isto no meu post, e gostaria que a discussão não se transformasse numa amigável troca de impressões, com cada lado tranquilamente assentado em seu lugar. Se vcs fossem católicos, ou ortodoxos, ou budistas, eu faria isto.

Mas este não é o caso. Vcs se identificam como crentes. Portanto, vcs tem "obrigações religiosas" (hehehe!) Isto inclui a obrigação de não tratar a tradição evangélica levianamente, de ler a bíblia com seriedade, e de valorizar a Verdade. Enfim, de reestabelecer a ligação entre Lei e Graça.

abr,

Guilherme

11:34 AM  
Blogger Thiago said...

Caro Guilherme,

gostei do post!
Valeu por ter tirado as referencias da ABU do texto, creio que assim a discussão se tornará até mais pessoal.

como já disse, vou ler suas indicações antes de escrever qualquer coisa mais séria

abraços

thiago

6:11 PM  
Blogger Xoyo said...

Caro Guilherme,

"Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal; que fazem da escuridade luz e da luz escuridade; põem o amargo por doce e o doce por amargo!"
Isaías 5.20

Confesso que todos os dias digo "Ai de mim" - opa, acho que Isaías também disse isso né?

Abraço
Sola Gratia

7:04 PM  
Blogger Gustavo Nagel said...

Guilherme e demais,

O Discipulado de Dietrich Bonhoeffer é uma resposta a essa idéia tosca de antinomismo, não é?

Li recentemente, inclusive, que essa foi a primeira dificuldade que Spurgeon enfrentou em sua primeira experiência de pastorado.

Que isso não é cristianismo me parece óbvio. Tão óbvio que até desanima - lembrando que não vai aqui nenhum julgamento ao destino eterno dos três pertinazes antinomistas.

Mas a discussão rolando e eu perdidão. Só fui tomar conhecimento dela hoje mesmo, pelo professor Franklin. Sequer li os textos. Nem mesmo o desenvolvimento da discussão no post que gerou toda essa celeuma, o post sobre a Babel petista.

Prometo gastar um tempo e me inteirar dos argumentos antinomistas.

Abração.

12:05 AM  
Blogger Guilherme de Carvalho said...

Olá Xoyo.

Eu entendo a decepção de encontrar pessoas falando sobre missão integral, etc, mas com uma perspectiva tão diferente. É que, de fato, nós não somos típicos. O evangélico típico não tem uma perspectiva realmente integral, mesmo quando fala de missão integral. Mas isso é um defeito do evangélico típico, não do evangelicismo histórico, e muito menos do neocalvinista.

Quanto à relação entre Graça e Criação: vc está certo. É claro que há algo para ser redimido em qualquer um, até mesmo em Nietzsche.

Mas isto não é o mesmo que encontrar "ecos da Graça". Se vc está falando em Graça comum, isto seria admissível; mas não de graça especial. A graça comum não é redentiva - é o sol que aquece a todos. Podemos dizer que, até em Nietzsche, o sol divino nos aquece. Podemos aprender algo com ele. Mas isso não tem nada a ver com a Graça redentiva; esta vem por meio de Jesus, e é pré-condição para desfrutarmos da graça comum (o "sol") sem sermos amaldiçoados por ela. Afinal, quanto mais graça comum (alegria, beleza, inteligência, humanidade, vida, etc) nós recebemos sem conversão, mais barro temos para construir ídolos contra Deus, e mais amaldiçoados nos tornamos. Somente a graça redentiva nos livra dessa maldição, e ela não se dirige a toda a criação quantitativamente, mas apenas qualitativamente.

Precisamos da graça especial para não construir ídolos a partir da graça comum. Inversamente, tentar interpretar a graça especial a partir do que recebemos da graça comum é prevaricar contra Deus. Não há salvação de dentro da natureza, sem a graça. I.é., se vc quer ler um filósofo que não pressupõe a fé na constituição de seu pensamento, vc precisa submetê-lo a uma crítica cristã; precisa deixar que a revelação guie seus pensamentos.

Esta crítica é que constitui, no campo das idéias, o escândalo. Não é qualquer escândalo que pode ser identificado com o escândalo da cruz. O escândalo da "graça imoral", por exemplo, não é.

Por outro lado, fazer filosofia assumindo uma compreensão cristã do homem e o julgamento da cruz contra a autonomia da razão será, certamente o escândalo "correto". Até que ponto vc está disposto a fazer isto?

Quanto à Lei, há muito o que fazer. Tanto que está me dando até preguiça, hehehe! Vamos falar um pouco do que é estar "sob a lei":

- Fundamentalismo: ok, genericamente falando, uma atitude fundamentalista é uma condição heteronômica, em que o terror me obriga a fazer certas coisas que não quero fazer. Poderíamos dizer que o fundamentalista está "sob a lei".

Mas a solução não é a autonomia, mas a teonomia. Isto é, uma condição em que a lei é abraçada com amor - a mesma lei que, como carnal, eu odeio -, porque está escrita no coração. Quem não ama a Lei de Deus, ainda está preso na heteronomia ou na autonomia.

- Sobre Gálatas, vc disse:

*E até onde eu leio e releio - esta semana que passou procurei diligentemente no livro de Gálatas algo que dissesse o contrário - o jugo de escravidão ao qual Paulo se refere é a Lei. O tema central da epístola de Gálatas é, caso vocês não tenham percebido, a circuncisão! Os gálatas estavam se deixando levar tanto pela Lei que queriam novamente se circuncidar, o caso deles é o fundamentalismo tosco e tolo.*

Xoyo, quando Paulo fala "a lei", não se refere a ela como lista de mandamentos, como padrão moral, ou qualquer coisa assim. Estar "sob a Lei" é estar sob o Pacto da Lei, isto é, um pacto de obras conforme o qual eu pretendo merecer o acesso a Deus. É exatamente por essa razão que o debate com os Gálatas girou em torno da circuncisão: ela representava a aceitação de um pacto de obras.

Quanto Paulo fala de estar "sob a lei", fala de tentar o acesso a Deus por meio da obediência à Lei. Estar "sob a graça" é exatamente o inverso: obedecer à Lei por meio do acesso a Deus.

Mas a graça ainda me traz de volta à Lei. Estar "Livre da Lei" é estar livre da "velha aliança", não da exigência moral da Lei. Isso é muito claro em Romanos 8.

Uma correção: vc tende a ler alguns textos isolados de Paulo sem ter a perspectiva total da teologia de Paulo e do restante das Escrituras.

- Sobre "brochar", vc disse:

* Mas existem outras formas de fundamentalismo e a que eu mais me preocupo é a que se refere a moralidade! Não somos nem um pouco frouxos moralmente Guilherme, não se preocupe, por sinal o que você falou sobre "não fazer sexo para não brochar" não faz o menor sentido para nós por sermos todos solteiros virgens (embora eu deva confessar que não temos NENHUM mérito nisso).*

Opa, vc não entendeu a piada? Eu quis dizer que "não tentar viver sob o governo de Deus em todas as áreas da vida por medo de errar e se tornar um fundamentalista é covardia"... Puxa, não esperava ter que explicar isto, hehehe!

- Sobre Tiago:

As "obras" de Tiago incluem coisas negativas e positivas; incluem, por exemplo, "cuidar de órfãos e viúvas e guardar-se puro das contaminações do mundo".

Quanto às obras de Raabe e Abraão, o que temos é simplesmente o cumprimento da Lei. Se o amor a Deus é o primeiro mandamento, e Deus deve ser amado acima de todas as coisas, é moral, quando Deus exigir, obedecê-lo, e imoral desobedecê-lo.

Imoral seria Raabe denunciar os espias. Imoral seria Abraão não amar a Deus acima de todas as coisas.

De modo que a fé concorreu com as obras, e pelas obras a fé se consumou - que obras? As obras da Lei, segundo o próprio Tiago... Ora, Xoyo, Tiago está meramente reproduzindo o raciocínio de Jesus: quando vamos ao espírito da Lei, rejeitamos o raciocínio legalista, mas isso não significa que precisamos nos tornar antinomistas. Puxa, isso é tão óbvio! Eu não deveria ter de explicar essas coisas pra vc. Vc é crente, pô!

É CLARO, que as leis de Deus são relativas entre si. Este é o princípio neocalvinista das "Esferas de Soberania", que o Vinícius confundiu com "fundamentalismo de luxo": cada Lei tem uma aplicação limitada. Ela é válida, dentro de certos limites. Mas o limite de uma lei é outra lei, e não a "liberdade". Ter liberdade não é criar uma esfera "sem lei", mas não permitir a tirania de uma lei sobre as outras.

Só um fundamentalista bobo tentaria absolutizar uma Lei de Deus e colocá-la contra outra. Ou um incrédulo, naturalmente, que queira confundir um fundamentalista bobo, hehehe!

abr,

Guilherme

2:25 PM  
Blogger GB Silva said...

Guilherme,

de fato não existe nenhuma relação entre a confissão de fé dos "decadentes" e a ABU. Como vc ressaltou, somos evangelicais - temos o "pacto de lausane" como referência -, mas, sobretudo, possuímos uma Base de Fé que choca diretamente com a idéia de Graça dos "decadentes".

Base de Fé da Aliança Bíblica Universitária do Brasil


a) A existência de um só Deus Pai, Filho e Espírito Santo, um em essência e trino em pessoas;

b) A soberania de Deus na criação, revelação, redenção e juizo final;

c) A inspiração divina, veracidade e integridade da bíblia, tal como foi revelado originalmente e sua suprema autoridade em assuntos de fé e conduta;

d) A pecaminosidade universal e a culpabilidade de todos os homens, desde a queda de Adão, pondo-nos sob a ira da condenação de Deus;

e) A redenção da culpabilidade, pena, domínio e corrupção do pecado, somente por meio da morte expiatória do Senhor Jesus Cristo o filho encarnado de Deus, nosso representante substituto;

f) A ressurreição corporal do Senhor Jesus Cristo e sua ascensão à direita de Deus Pai;

g) Missão pessoal do Espírito Santo para o arrependimento, a regeneração e a santificação dos crentes;

h) A justificação do pecado somente pela graça de Deus, por meio da fé em Jesus Cristo;

i) A intervenção de Jesus Cristo como único intercessor entre Deus e os homens;

j) A única igreja santa e universal, que é o corpo de Cristo, à qual todos os crentes verdadeiros pertecem e que, na terra, se manifesta nas congregações locais;

k) A segurança da segunda vinda de cristo em corpo glorificado e a consumação de seu reino nesta manifestação;

l) A ressureição dos mortos, a vida eterna dos salvos e a condenação eterna dos injustos;

Um grande abraço (inclusive aos amigos companheiros de missão aqui presentes).

2:40 PM  
Blogger Thiago said...

Caro Guilherme

Gostaria de continuar a conversa, porém terei que me afastar de blogs e coisas do gênero por um tempo. Está na época de testes de seleção para mestrados por aí e terei que me enfiar em provas e viagens (duas para Campinas nas próximas semanas). Uma vez que preciso ler os textos que me indicou para voltar a conversar, segue que não tenho mais tempo, por enquanto. Porém, continuarei lendo o que for publicado, apesar de não escrever.

Apenas queria deixar últimas considerações sobre seus últimos comentários. Acredito que o fato da conversa ter começado em um texto de política e chegado até a velha discussão Graça e Lei não ocorreu por mero acaso. De fato, esta parece ser a raiz de toda a questão. Guilherme, acredito sim que a Graça cumpre a Lei, nunca afirmei o contrário. Apenas penso que a recíproca não é verdadeira, ou seja, a Lei não cumpre a Graça. “... antes, pela lei vem o conhecimento do pecado. Mas agora se manifestou, sem a lei, a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas.”. Sim, a Lei é cumprida pela Graça, testemunha e aponta para esta; mas, como vc consentiu, a Graça transcende a Lei. Isso não leva a imoralidade, porém vamos além dos limites da própria Lei. Assim, é possível que se cometa a “injustiça” do filho pródigo irresponsável ter a festa que o mais velho nunca teve (Lc 15:11-32), ou o salário “injusto” daqueles trabalhadores que ganharam o mesmo daqueles que só trabalharam no fim do dia (Mt 20:1-16). Isso tudo não é imoralidade ou contradição “legal”, apenas cumpre o fim da Lei, e não esta como um fim em si mesmo.

Parece-me que há um perigo de libertinagem sim. Mas, por outro lado, parece haver um discurso: “creia na Graça, mas não muito, isso é perigoso”. Vc disse acima “...Afinal, quanto mais graça comum (alegria, beleza, inteligência, humanidade, vida, etc) nós recebemos sem conversão, mais barro temos para construir ídolos contra Deus, e mais amaldiçoados nos tornamos.”. Nunca imaginei que excesso de Graça pudesse fazer tão mal às pessoas, mesmo que não convertidas. Também não entendo como vc parece entender ser tão fácil a distinção entre as chamadas Graças comum e salvífica.

Parece-me também que se criou uma idéia muito forte que desde antes da Criação, no fundamento das coisas e da possibilidades das coisas e do ser, existisse Graça e Lei como se fossem coleguinhas passeando de mãos dadas. Ora, a Lei aponta para a Graça, mas é esta que tem a ver com o Verbo que se faz carne! Afinal, qual outra expressão mais forte para a Graça que a Cruz! Levar os pecados do mundo sobre o madeiro e fornecer salvação imerecida! E o que é a Cruz senão o centro de nossa mensagem, de nosso evangelho, do Cristianismo? E não há loucura na Cruz? E ela não é a proclamação, revelação e manifestação histórica da Graça? Claro, aqui a Lei é cumprida, e ela mesma já apontava para a Cruz. Mas, como vc mesmo disse, a Graça TRANSCENDE a lei. Talvez até transcenda nossas concepções acerca da diferenciação de Graça específica e salvífica...

O próximo passo seria falar de como isso se relaciona com as leis que regem as “esferas de soberania”. Mas não posso fazer isso antes de ler seus textos... só posso adiantar que o meu medo sempre foi buscar essa “legislação” teocêntrica enquanto um fim em si mesmo, esquecendo de sua finalidade cristocêntrica enquanto Graça derramada.

Então é isso. Agora vou para minhas provas e viagens, mas apesar de não escrever mais enquanto isso continuarei lendo. Ainda têm no nosso blog alguns exemplos de senso comum (me permitem senhores?) que, para mim, ilustram o que é Graça (desde a bíblia, até dia-a-dia e futebol...). Não quis postar aqui por não considerar adequado. Agradeço a todos a paciência e atenção. Abraços fraternos!!

Vinícius

SOLA GRATIA

8:33 PM  
Blogger Debora said...

A MOSCA

William Blake

tradução de José Paulo Paes

Pequena Mosca,
Teus jogos de estio,
Minha irrefletida
Mão os destruiu.

Pois, como tu,
Mosca não sou eu?
E não és tu
Homem como eu?

Eu danço e canto e
Bebo, até que vem
Mão cega arrancar-me
As asas também.

Se é pensamento
Vida, sopro forte,
E a ausência do
Pensamento morte,

Então eu sou
Uma mosca travessa,
Mesmo que viva,
Ou que pereça.



Blake era cristao, se estivesse hoje entre nós como seria visto?

10:14 PM  

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